HQ Amarelo Seletivo
HQ Amarelo Seletivo evidencia preconceito contra japoneses
Projeto de mangájin brasileiro vira revista impressa com uso de crowdfunding
André é um garoto nipo-brasileiro de 10 anos que recebe uma
notícia: vai trocar de escola. Nesse momento de mudanças, ele começa a perceber
e questionar o preconceito que sofre por sua origem oriental. E também fica
curioso sobre a terra dos seus avós: Okinawa, a região do Japão onde nasceu o
Karatê.
Esse é o mote de Amarelo Seletivo, uma história em
quadrinhos independente que entra em campanha de crowdfunding (financiamento
coletivo) na plataforma Catarse, buscando viabilizar sua edição impressa. O
lançamento aconteceu nesta segunda, 27 de setembro de 2021, no endereço:
Quem se interessar pela história, pode apoiar com valores de
R$ 10 a R$ 121 e receber em troca a revista em edição digital ou impressa,
entre outras recompensas. Entre as possibilidades estão pacotes de revistas com
desconto, para que os apoiadores distribuam a seus amigos que possam se
interessar pelo tema, ainda pouco abordado nas produções nacionais. E também
uma publicação digital de extras, contando sobre o processo de criação da
história, apresentando esboços e o roteiro da HQ
Trata-se de uma criação do jornalista e produtor cultural
Ricardo Tayra, responsável pelo roteiro, edição do projeto e pela campanha de
financiamento. O roteirista, que é neto de japoneses (sansei), escolheu o tema
de sua primeira HQ autoral como uma homenagem aos seus antepassados. Mas também
faz uma visita ao próprio passado, já que a história é inspirada em sua
infância nos anos 80, misturando ficção e fatos reais. Curiosamente, o autor
não tem muitas referências dos mangás, os quadrinhos japoneses. Mas encarou o
desafio pessoal de produzir um mangájin: uma história baseada no estilo dos
mangás, adaptada à uma forma brasileira – portanto não-japonesa, gaijin – de
criar. Para os desenhos, Tayra fez questão de convidar uma artista que também
tivesse origem nipônica. A escolhida foi a ilustradora TalessaK, que produz uma
bela e poética arte colorida, com técnica de aquarela.
“O que mais me atrai no financiamento coletivo é que não se
trata exatamente de uma pré-venda”, explica Tayra. “A campanha não estabelece
uma relação comercial de ‘compra e venda’, o apoio é muito mais que isso. As
apoiadoras e os apoiadores se tornam verdadeiros parceiros, auxiliando não só
financeiramente no orçamento da publicação, mas também na divulgação, além de
estabelecer uma relação muito mais próxima com os autores”.
O autor escolheu a modalidade Flexível de campanha, o que
significa que a revista será impressa, independentemente do valor total da meta
ser atingido (R$ 3.709). Porém, os apoios irão determinar a tiragem final da
publicação. Serão 20 páginas coloridas (18 delas de HQ), formato A5
(meio-sulfite), sentido de leitura ocidental (da esquerda para a direita), bem
no estilo das populares “revistinhas”. O conteúdo será finalizado ainda durante
a campanha, que dura 51 dias, até 17 de novembro. A entrega das recompensas é
prevista até janeiro de 2022.
Amarelo Seletivo | roteiro de Ricardo Tayra e ilustrações
de TalessaK.
HQ sobre o preconceito contra japoneses, a partir da visão
de uma criança.
Revista com 20 páginas coloridas, formato A5 e sentido de
leitura ocidental.
Campanha de crowdfunding:
de 27/09 a 17/11/2021:
Sobre o autor:
O jornalista Ricardo Shimabukuro Tayra, 45 – nasceu na cidade
de São Paulo, é sansei, cujos avós vieram de Nago-Shi e há 15 anos atua como
produtor cultural pelo Itaú Cultural. “Tenho uma conexão muito forte e
acompanho histórias em quadrinhos desde a infância, além de ter feito muitos
cursos relacionados. Já escrevi a respeito e atuei em divulgação de quadrinhos
como jornalista e, há 10 anos, tenho também produzido e realizado curadoria
para eventos sobre HQs”, conta ele.
Apesar de não participar das atividades da comunidade
okinawana, Ricardo conta que seu avô paterno, Fukushin Taira, foi
sócio-fundador da Associação Okinawa do Brasil e presidente do Shibu Lins.
Sobre a ideia deste projeto ele conta que “Há muito tempo
ensaio produzir minha primeira HQ profissional. Cheguei a fazer fanzines quando
criança, fiz cursos quando criança, adolescente e adulto, mas outros
compromissos pessoais e profissionais acabaram me afastando da ealização de HQs
propriamente dita por décadas. Já estava claro pra mim que não seria desenhista
profissional, apesar de ter feito alguns cursos ao longo da vida: minha
dedicação e prática acabam ficando muito mais em relação ao texto. Texto, pra
mim, ainda é uma prática diária (nem sempre a escrita criativa, mas é uma
prática constante). Desenho mesmo, só brinco de vez em quando.
Em 2019, terminei um roteiro completo depois de MUITO
tempo. Está com um desenhista, mas ainda
sem prazo, por muitas questões. O roteiro não foi 100% novo, na verdade
transformei em HQ um antigo conto. Já no início deste ano, no final de um
pequeno período de férias, acabei “parindo” uma HQ curta, fazendo roteiro e
desenhos ao mesmo tempo. Nada muito elaborado, era para destravar a escrita. E,
no processo, acabei fazendo uns desenhos “corridos” para ajudar. O resultado eu
publiquei nas minhas redes (https://www.instagram.com/p/CKC6yIDHNLE/).
O importante é que deu resultado: destravou também a vontade
de realizar um projeto. E revisitar o meu passado me deu algumas ideias. Já
sabia que queria escrever algo relacionado à minha origem japonesa e também me
interessava produzir algo que remetesse à minha infância nos anos 80. Juntei as
coisas. Comecei a ensaiar o roteiro e pensar nas possibilidades de desenhista.
Pela característica da história, sabia que queria alguém de origem japonesa e,
preferencialmente, que fosse uma mulher. Para ter uma outra perspectiva sobre a
história que eu, homem cis heterossexual, não conseguiria transmitir. Cada vez
mais é importante uma pessoa produz conteúdo (não apenas artistas) ouvir outras
perspectivas. Mais escuta e aprendizado gera menos ódio.
Eu já conhecia o trabalho da TalessaK, inclusive apoiei
diversos projetos de HQ dela. Em abril, comecei a tratar com a artista a
possibilidade de ela ser a ilustradora. Houve um primeiro interesse, mas eu
tinha ainda que terminar o roteiro, o que consegui fazer apenas em julho, em
paralelo aos acertos com ela. Eu acho que não seria tão simples terminar o
roteiro se não tivesse definido quem iria desenhar. Ajudou bastante no meu
processo.
Com a produção andando, comecei a planejar a campanha de
financiamento coletivo. Queria ter os desenhos bem avançados para lançar e foi
o que fizemos. Acabei correndo um pouco para lançar umas semanas antes, porque
final de ano é tudo muito corrido e eu queria realmente distribuir as
recompensas aos apoiadores até janeiro, no máximo”.
Utiná Press – O título da obra é bem sugestivo. A história é inspirada
em alguma vivência pessoal? Você ou alguém próximo já foi vítima de preconceito
por conta de sua origem oriental?
Ricardo Tayra: “A história é bastante baseada na minha
vivência e mistura fatos reais com ficcionais. Tanto eu quanto todos os
orientais que conheço já fomos vítimas de preconceito por conta da origem. O
que varia certamente é a intensidade
disso. Porque dificilmente é algo escancarado. Um grande problema é o que é
estrutural, muitas vezes “normalizado” como brincadeira ao longo dos anos. Mas
que, na verdade, são microagressões diárias (ou quase). Por exemplo, o simples
fato de ser chamado (ou até apelidado) de “japa”. Muitas vezes não é intenção
da pessoa ofender, mas é uma expressão que já leva uma carga agressiva pois
indica que você é “diferente” e quem fala é “normal”. Quem define o que é
“normal”? Que direito tem alguém de se declarar “raça padrão”, ainda mais num
país tão miscigenado?
Esse é só um tipo de preconceito bem comum. Então optei por mostrar
como foi que aconteceu comigo, minha infância em meados dos anos 80, quando se
passa a HQ: há semelhanças e diferenças do momento atual.
Pesquisando sobre possibilidades de título envolvendo a palavra
“amarelo”, me deparei com o termo: amarelo seletivo. Aprendi que é o nome de
uma tonalidade de amarelo, encontrada em lâmpadas de faróis de carros. E que
tal tonalidade visava justamente melhorar a visualização em situações como
chuva e neblina. Achei muito legal e percebi que combinava com algumas situações
e mensagens presentes na história. Cheguei a testar outros títulos, mas não
teve jeito, acabou ficando esse mesmo”.
UP – Conte um pouco de sua trajetória.
Ricardo: “Além das coisas que já respondi acima,
acho legal só acrescentar que não é meu primeiro roteiro profissional: já fiz
trabalhos sob encomenda, boa parte deles para o estúdio Impacto Quadrinhos
(hoje chamado Instituto dos Quadrinhos), onde estudei HQ e roteiro. O mais
recente foi uma breve HQ chamada Guerra e Paz, que foi desenhada e colorida
pelo Ivan Nunes e integra a coletânea Pátria Armada: Visões de Guerra (editora
IHQ), que trata de um universo alternativo criado pelo quadrinista Klebs Junior
(curiosamente, há HQ da TalessaK no livro também). Outra coisa que acho
interessante citar é que estive presente no projeto Front, uma coletânea que
misturava HQs com contos: com um conto chamado Bacalhau com Batatas no Front
Especial 1 – Centenário da Imigração Japonesa (Via Lettera).
Além de produzir eventos sobre HQ para o Itaú Cultural, também já
mediei conversas com quadrinistas. Algumas delas, da série Quartas ao Cubo, têm
registros publicados no canal do Youtube, nesta playlist: http://bit.ly/hqitaucultural . A mais conhecida delas é com o escritor e quadrinista Lourenço
Mutarelli (https://youtu.be/81CufJ_Ty74), que acabou gerando convite posterior do escritor Marcelino Freire
para repetirmos a parceria no evento Ressaca Literária, da Balada Literária.
Até o final de outubro estou também com um evento online no site do
Itaú Cultural, a 6ª edição da Banca de Quadrinistas. Atuo na produção e equipe
de curadoria da atividade:
UP- Você participa de alguma associação Okinawa ou atividades
relacionadas à cultura okinawana?
Ricardo: “Não, nunca estive envolvido com
associação. Mas estou exatamente revisitando memórias e histórias de meus
antepassados no momento, quem sabe no futuro? Meu pai também não atua, mas é
assinante do Utiná Press e foi por conhecer o jornal que achei interessante
sugerir a pauta. Na minha família, creio que quem mais esteve envolvido com
comunidade okinawana foi meu avô paterno, Fukushin Taira (a grafia do sobrenome
é diferente mesmo), que foi sócio-fundador da Associação Okinawa do Brasil e
presidente da Lins Shibu”.
UP – Deixe uma mensagem aos nossos leitores.
Ricardo: “A HQ serve tanto para que asiáticos, em
especial nipo-brasileiros, tenham ali pontos de identificação sobre o que
vivenciam, como também para não-orientais se atentem a questões que talvez
nunca tenham entendido como problemáticas. Também quero dizer que vivemos um
momento político e social muito difícil e complexo, no qual discursos de ódio
têm tido muito mais visibilidade do que deveriam. Somos todos frutos de nosso
tempo, então, de certa forma, isso influencia indiretamente a minha produção.
Não foi exatamente um acaso que me levou a escrever uma HQ que fala de
preconceito e também de autoconhecimento e aceitação. São temas muito urgentes
e necessários para os dias de hoje. Apenas compreendendo melhor esse tipo de
problema é possível vislumbrar soluções”.
Por: V.S.T.
OS AUTORES
Ricardo Tayra é jornalista, produtor cultural e roteirista. Responsável pelo roteiro
e edição de Amarelo Seletivo, sua
primeira HQ autoral. Já roteirizou para o Instituto dos Quadrinhos, escreveu
para publicações sobre quadrinhos e cultura pop, como o site Universo HQ, e atuou em divulgação e
assessorias de imprensa. Criou um blog sobre quadrinhos SaposVoadores.com.br e, há 10 anos,
atua na produção de eventos e produtos sobre o tema para o Itaú Cultural, tais
como a Banca de Quadrinistas, a série audiovisual Caminhos da HQ e as
exposições do projeto Ocupação Itaú Cultural que homenagearam os cartunistas
Angeli, Laerte e Glauco (vencedoras do Troféu HQMIX). O autor estudou edição de
quadrinhos com Sidney Gusman, Cassius Medauar e Guilherme Kroll, roteiro e HQs
com Lourenço Mutarelli e Klebs Junior, entre outros mestres.
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TalessaK é artista visual, quadrinista, roteirista, desenhista e ilustradora. Produz publicações infantis, animações clássicas e histórias em quadrinhos. Seu curta de animação independente Yayá integra o acervo da Casa de Dona Yayá (CPC-USP). Autora de HQs independentes como: Ira dos Ventos, Sobre Trilhos, Cinco Vermelhos, Minski e Deimos e Phobos (indicada ao Troféu HQMIX 2021, categoria Publicação Independente – Edição Única). Participou também de diversos eventos e também coletâneas, como Gibi de Menininha (Zarabatana),
vencedora do Troféu HQMIX – Publicação Mix.
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