Textos
O martítio do imigrante japonês/okinawano durante a guerra do Pacífico
- O incidente de Santos -
Prólogo
Em 8 de dezembro de 1941, a partir do ataque surpresa
à frota americana da base naval de Pearl Harbor no Havaí, o Japão lançou-se à
Guerra do Pacífico. Em decorrência da eclosão dessa guerra, a entrada de
imigrantes japoneses no Brasil foi interrompida, e o navio Buenos Aires Maru,
com 417 emigrantes a bordo, acabou sendo o último navio do período pré-guerra a
atracar no porto de Santos, no dia 13 de agosto do mesmo ano. Encerrava-se ali
o longo período de 33 anos consecutivos de chegada de emigrantes japoneses ao
Brasil desde o Kasato Maru. E, mesmo após a derrota do Japão e a assinatura e
entrada em vigor do Tratado de Paz de São Francisco, não houve retomada desse
movimento, até a chegada dos primeiros imigrantes pós-guerra que se instalaram
na Amazônia, em 1953. Esse período de 12 anos é chamado comumente de “lacuna da
imigração”.
Embora os imigrantes japoneses e okinawanos já residentes no Brasil
durante esse período de lacuna da imigração não tivessem sofrido os horrores da
guerra do Pacífico de maneira direta, enfrentaram sofrimentos sem precedentes,
tachados de “povo inimigo”. Além disso, após o fim da guerra com a derrota do
Japão, houve um grande conflito entre os que aceitavam e reconheciam essa
derrota e outros que acreditavam somente na invencibilidade do Japão, e a
sociedade japonesa no Brasil rompeu-se ao meio. O grupo que acreditava no
“Japão Vitorioso”, no “Japão Divino”, denominados “Shindo Renmei – a
Liga do Caminho dos Súditos” e seus simpatizantes, acabaram por lançar um véu
sombrio de derramamento de sangue sobre as pessoas que reconheciam a derrota,
denominando-as “traidoras da pátria”. Os danos sociais e emocionais causados
por essa tragédia foram imensuráveis. Apesar de enfrentar a fria e triste
realidade da derrota do Japão, a maioria esmagadora dos imigrantes japoneses no
Brasil foi impedida de despertar para essa realidade exatamente por conta desse
conflito, forçados a viver dias de fé cega e ilusão. Os assentamentos de
imigrantes japoneses em várias regiões foram tomados por conflitos entre os
dois lados e os corações das pessoas ficaram enevoados, por suspeitas e
desconfianças. Os imigrantes okinawanos, por sua vez, também foram envolvidos
nesse conflito “vitoristas x derrotistas”, apesar de terem conhecimento de que
seus familiares na terra natal estavam vivendo na mais terrível penúria após a
devastação da ilha ao fim da batalha em terra.
Quando o jornal japonês voltou a circular e as informações verdadeiras
quanto à real situação do Japão voltaram a ser transmitidas, as mentiras e
ilusões sobre a “Vitória do Japão” foram, finalmente, sendo dissipadas. No
entanto, as garras do conflito eram tão profundas que os abalos ainda permaneceram
por um bom tempo, pois, aproveitando-se da turbulência, muitos golpistas enganaram
e lesaram os próprios conterrâneos.
Este artigo consiste numa reescrita do capítulo 7 da primeira parte do
livro Imigração Okinawana no Brasil – 90 anos desde o Kasato Maru,
publicado pela AOKB em comemoração aos 90 anos da Imigração Okinawana no
Brasil, com foco no 1º período, ou seja, no trecho que retrata o período de
grande sofrimento dos imigrantes japoneses e okinawanos durante a guerra. Essa
reescrita baseia-se na descoberta da “Lista dos japoneses residentes em Santos
evacuados compulsoriamente e os locais de destino”, um importante material
histórico soterrado e coincidentemente descoberto pelo diretor de documentários
Yoju Matsubayashi, em agosto de 2016. A lista foi minuciosamente analisada e,
após a constatação de sobreviventes, foram marcados encontros para ouvir
testemunhos reais da época, pelos quais vieram à tona importantes revelações
que por sua vez, nos forçaram a reexaminar o significado histórico da “evacuação
compulsória de Santos”.
Sentimo-nos cada vez mais compelidos à consciência e à reflexão, pois
ainda hoje, passados 77 anos após o ocorrido, esse acontecimento continua
encoberto pelo pesado manto da história, sem quaisquer esclarecimentos,
abandonado.
O presente artigo foi elaborado na tentativa de reexaminar e
reposicionar o Incidente de Santos de 8 de julho de 1943 na linha histórica de
“O martírio do povo japonês/okinawano durante a Guerra do Pacífico”, bem como
analisar seu significado e essência históricos.
(1) O rompimento das relações
diplomáticas e as dificuldades da vida como “povo inimigo”
1. Governo Vargas – O boicote aos imigrantes japoneses
Em 1º de setembro de 1939, a Alemanha nazista invadiu a Polônia e, no
dia 3 do mesmo mês, o governo britânico proclamou guerra contra a Alemanha. A
frente dava claros indícios de evoluir para uma guerra mundial, e a situação em
torno dos imigrantes tornava-se cada dia mais tensa. No Brasil, o governo
Vargas inicialmente neutro, mudou sua posição para se unir aos Aliados, particularmente
em apoio ao governo americano, fortalecendo assim a postura de condenação aos
países do Eixo (Japão, Itália e Alemanha). Jornais e revistas em língua
estrangeira passaram da censura de artigos à obrigatoriedade da anexação de
traduções dos editoriais e outros artigos importantes, e depois a publicação
compulsória de uma coluna brasileira. Quanto aos jornais em japonês que
relatavam as desvantagens das potências aliadas, ou publicavam artigos sobre a
política externa do Japão, bem como as circunstâncias domésticas relacionadas
aos japoneses vivendo em terras brasileiras, esses passaram a ser rigorosamente
regulamentados ou censurados.
Já em agosto de 1938, foi implementada a nova “Lei de Restrição aos
Imigrantes” (promulgada em 1934), na qual estavam descritas minuciosamente as
proibições do ensino de línguas estrangeiras para menores de 14 anos ou a
exigência de que professores do ensino fundamental deveriam ser brasileiros. E,
no dia 25 de dezembro do mesmo ano, um projeto de lei obrigou o fechamento de
escolas de língua estrangeira em todo o território brasileiro. A propósito,
naquela época, existiam 294 escolas japonesas no estado de São Paulo
contabilizando-se 476 escolas no país todo, e todas foram fechadas. Os
japoneses sentiram grande humilhação perante essa ordem, e sentiram fortemente
a opressão que o governo lhes impunha. Construíram salas de aula em locais
ermos ou escondidos no meio das florestas, e continuaram a educação de seus
filhos em japonês, clandestinamente. A proibição da educação em língua japonesa
acabou reforçando nas almas dos alunos, o patriotismo com relação ao “Japão,
País Divino, invencível há 3 mil anos”, bem como a imagem do “Imperador da
Dinastia Ininterrupta”, além do fortalecimento de crenças como a “reverência ao
Imperador”, ou do “Yamatodamashii – espírito Yamato”. Essa era
exatamente a educação militarista desenvolvida no Japão rumo ao fascismo da
década de 1930, mas acabou encontrando ressonância nos corações de imigrantes
isolados e perseguidos em terras estrangeiras. Educar suas crianças com base no
“espírito japonês” foi o apoio espiritual que deu sustentação aos imigrantes
japoneses.
Em janeiro de 1940 entrou em vigor o sistema de Registro Nacional de
Estrangeiros. Os imigrantes passaram a não ter nenhum direito garantido se não
tivessem o “Registro de Identificação”, e passaram a precisar de salvo-condutos
para se deslocar de uma cidade a outra. A situação dos imigrantes japoneses
tornava-se cada dia mais difícil. Foi também nessa época que os japoneses começaram
a ser chamados de “Quinta coluna”, não mais podendo ignorar a humilhação e
sentindo na pele o fato de pertencer à “nação inimiga”.
Em agosto de 1941, as publicações de jornais em língua estrangeira foram
definitivamente proibidas. Jornais como Seishu Shimpo, Burajiru Jihō, Nippon
Shimbun ou Nambei Shimpō, ativos há mais de um quarto de século, cerraram as portas na véspera
da guerra entre os EUA e o Japão. Os imigrantes, impedidos de ter acesso às
notícias, tanto do Brasil quanto do Japão, não puderam deixar de ficar ansiosos
e apreensivos ou irritados.
Dessa forma, os imigrantes japoneses, privados da liberdade de educar
seus filhos em japonês, da liberdade de expressão em sua própria língua, de se
locomover e até de se reunir, passou a levar uma vida totalmente oprimida.
2. A Eclosão da Guerra do Pacífico e
o Corte das Relações Diplomáticas
No dia 8 de dezembro de 1941, a frente japonesa avançou num ataque
surpresa a Pearl Harbor, causando a eclosão da Guerra do Pacífico. Mesmo a
sociedade japonesa que tinha perdido seu meio de informação, soube rapidamente,
no boca-a-boca, do sucesso do ataque japonês ao exército americano. As
sucessivas vitórias do exército japonês como a Batalha de Murray, a ocupação em
Hong Kong, a conquista de Cingapura, a tomada do castelo de Manila, abrandaram
o clima pesado que pairava sobre os imigrantes japoneses no Brasil. Sob a
opressão do governo Vargas, não podiam manifestar a felicidade, erguendo as
mãos e gritando “Banzai”, mas estavam internamente explodindo em felicidade,
torcendo pela absoluta “Invencibilidade do Exército Imperial”. Todos estavam
embriagados pelas sucessivas vitórias do Exército Imperial.
Porém, logo após as comemorações do novo ano, em 15 de janeiro de 1942,
foi realizada no Rio de Janeiro a III Conferência de Chanceleres das Repúblicas
Americanas e, com exceção da Argentina e do Chile, 10 países, incluindo o
Brasil, decidiram cortar as relações econômicas com as potências do Eixo. Em
resposta, no dia 28 do mesmo mês o governo japonês ordenou o fechamento das
portas da embaixada japonesa do Rio e do consulado japonês em São Paulo. No dia
seguinte, dia 29, o governo brasileiro decretou o rompimento das relações
diplomáticas com os países do Eixo. Assim, os imigrantes japoneses no Brasil
tiveram seus laços totalmente cortados com a terra natal, Japão. E a repressão
ao povo de “nação inimiga” aumentou exponencialmente.
O movimento antinipônico que se espalhou por todo o território brasileiro
No dia 19 de janeiro de 1942, a Superintendência de Segurança Política e
Social de São Paulo publicou a seguinte portaria:
Em face da ruptura das relações diplomáticas do Brasil com a Alemanha,
Itália e Japão, faço público que ficam os súditos destes últimos países,
residentes neste estado, proibidos:
1. Da disseminação de quaisquer escritos nos idiomas de suas respectivas nações;
2. De cantarem ou tocarem hinos das potências referidas;
3. Das saudações peculiares a essas potências
4. Do uso dos idiomas das mesmas potências, em concentrações, em lugares públicos;
5. De exibir em lugar acessível, ou exposto ao público, retrato de membros do
governo daquelas potências;
6. De viajarem de uma para outra localidade sem salvo-conduto fornecido por esta
Superintendência;
7. De se reunirem, ainda que em casas particulares, a título de comemoração de
caráter privado;
8. De discutirem ou trocarem ideias, em lugar público, sobre a situação
internacional;
9. De mudarem de residência sem comunicação prévia a esta Superintendência.
(omitido o restante)
No dia 2 de fevereiro, poucos dias após a publicação da portaria acima,
foi emitida uma ordem de evacuação para os japoneses residentes nas
proximidades da Rua Conde de Sarzedas, área central da cidade de São Paulo.
Posteriormente, no dia 11 do mesmo mês, uma ordem de congelamento de bens de
pessoas e empresas relacionadas às potências elegíveis foi emitida. As atividades
econômicas dos imigrantes ficaram severamente restritas e fortaleceu-se a
interferência do governo nas cooperativas e empresas.
O número de viajantes caiu drasticamente, mas alguns transeuntes foram
levados a depor, sob acusação de espionagem. Outras pessoas foram detidas
somente por trocar saudações em japonês com algum conhecido, na rua. Mosei
Yabiku foi denunciado por um brasileiro e submetido a investigação domiciliar
sob comando do delegado de polícia local. Após ter seus livros e revistas em japonês,
e até mesmo uma mala-canastra de vime que fora trazida do Japão, levados pelos
policiais, ele também foi preso. Na ocasião, Eiko Kadekawa e Kikei Kakinohana
também estavam juntos.
Em diversas regiões de todo o Brasil, as pessoas optaram por dar continuidade
às aulas de japonês, clandestinamente. Os lugares descobertos eram invadidos
por oficiais armados que confiscavam todos os tipos de livros, apostilas e
materiais de estudo, além de levarem os professores ou responsáveis presos,
como prova. Um desses acontecimentos foi fielmente retratado na colônia
Ceroula, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Oficiais empunhando armamentos
pesados como metralhadoras invadiram uma escola japonesa em 17 de março de
1942, e levaram como presos os líderes da comunidade local e todas as pessoas
relacionados à escola. Em 20 de agosto do mesmo ano, um grupo de estudantes
alucinados invadiu e incendiou a casa de Koki Oshiro, líder da Associação
Okinawa. Oshiro teve sua propriedade totalmente destruída no meio da noite. Todos
esses incidentes eram resultantes da revolta dos brasileiros contra os
japoneses que criticavam o povo brasileiro como “povo inimigo”. Essa crítica
vinha da fé cega dos japoneses, esta alimentada por falsas notícias que
recebiam clandestinamente (DaiHon’ei Happyou – ver p. 201).
Ainda em agosto, na região de Antonina, Paranaguá, estado do Paraná,
onde residiam mais de 30 famílias de alemães e japoneses, muitos tiveram suas
casas saqueadas e as mulheres e filhas violentadas por grupos extremamente hostis
aos povos dos países do eixo. Também na periferia de Belo Horizonte, uma
família de lavradores teve a casa totalmente saqueada, incendiada e a plantação
inteiramente devastada.
No mesmo período, militares armados entraram nas casas de japoneses da
colônia Acará, assentamento próximo à foz do Rio Amazonas, levando todas as
publicações em japonês. Os brasileiros antijaponeses, principalmente os
estudantes, passaram a invadir as casas de japoneses, destruindo, incendiando
tudo. Aproveitando-se da repressão do governo Vargas, o violento movimento
antinipônico alastrou-se pelo país inteiro.
No dia 6 de setembro do mesmo ano, foi emitida uma segunda ordem de
evacuação aos japoneses residentes nos arredores da Rua Conde de Sarzedas, em
São Paulo, com o prazo de 10 dias. Quase nenhum japonês passou a ser visto nos
arredores onde havia sido o local de maior concentração de imigrantes japoneses
do centro da cidade. Esta 2ª ordem de despejo foi emitida pelo governo Vargas,
que alegou não saber o que poderia acontecer num local onde se encontravam
muitos japoneses juntos. Resolveu-se então pela expulsão e separação de todos.
Antes de tudo isso, no dia 6 de julho, o Embaixador, o Cônsul e todos os
representantes do governo japonês no Brasil haviam embarcado no navio sueco MS
Gripsholm, conforme ordem de evacuação recebida. Essa retirada geral dos
diplomatas deixou nos imigrantes japoneses a forte impressão de “abandono”. A
sucessão de fatos como esses fez com que a sensação de “abandonados, largados,
esquecidos” até então implícita, passasse a latejar muito mais forte nos
corações dos imigrantes, fazendo com que se aprofundassem cada vez mais o medo
e a insegurança.
A repressão e as medidas nacionalistas do Estado Novo no governo Vargas
A propósito, o governo Vargas, instituído por um golpe de Estado em1930,
fortaleceu o autoritarismo e evoluiu para um sistema de governo ditatorial que
culminou na constituição do denominado Estado Novo, em 1937. Este, com grande
poder centralizador, teve como principal alicerce a seguinte tríade:
1. Elevação do espírito brasileiro e
do nacionalismo;
2. Promoção da política nacionalista,
baseada na ideia de formação e integração étnica;
3. Fortalecimento da política de
assimilação com o objetivo de unificar a nação e a consciência nacional.
Especialmente o item 3, da política de assimilação voltada aos
estrangeiros com a proibição do ensino de língua estrangeira a quaisquer crianças menores de 14 anos,
ou a restrição de professores primários a brasileiros, foram medidas extremas que expressam
claramente ter sido o mais reforçado.
Ademais, essa política fora incorporada como forma de controlar e
proibir o ensino de línguas estrangeiras bem como as publicações em língua
estrangeira em território brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial. O
governo Vargas recusou-se a assimilar os imigrantes japoneses no Brasil,
alegando que “uma colônia tão agarrada aos próprios hábitos, costumes e
tradições, passará, com o tempo, a formar um núcleo que não mais se harmonizará
com o futuro do Brasil”. Assim, o governo, tachando o povo japonês como
excluído, aquele que se nega a se integrar à sociedade brasileira,
transformou-o em alvo para ataques, os quais passaram a acontecer abertamente.
As restrições ao uso da língua, às publicações de jornais e revistas ou
quaisquer impressos comunicativos causaram nos imigrantes japoneses, grande
impacto. Tudo isso foi entendido como uma “perseguição para cortar as conexões
com a terra natal”, o que consistia também em séria ameaça, tanto à vida
naquele momento quanto a quaisquer perspectivas futuras. Além disso, as medidas
aumentavam o ressentimento e a aflição causados pelos diplomatas japoneses que
haviam abandonado os súditos à própria sorte.
Portanto, para os japoneses deixados ao léu, isolados do mundo, o fato
de tomarem conhecimento sobre as vitórias da frente no Pacífico no início da
guerra, era exatamente o sopro do “Vento Divino”. A partir de então, o conceito
de “Exército Imperial japonês absolutamente invencível” tornou-se inabalável em
suas mentes e corações.
No entanto, esse “Exército Imperial” que deveria ser o “absolutamente
invencível”, na realidade, já havia sofrido um golpe catastrófico na Batalha de
Midway, em junho de 1942, seguido de uma grande derrota na Ilha de Guadalcanal,
e continuou sofrendo uma derrota após a outra. Todavia, os imigrantes japoneses
que aqui estavam, impedidos de obter informações direto da fonte, não tinham
como tomar conhecimento dos reais acontecimentos. Não, para eles, as informações
veiculadas na mídia brasileira sobre a derrota do exército japonês eram apenas
rumores, boatos infundados, eram notícias falsas fabricadas pelo governo e
pelos países aliados. E as informações DaiHon-ei Happyou [1] que
alguma pessoa tivesse ouvido clandestinamente na Rádio Central Militar de Tokyo
[2] espalhou-se de boca em boca rapidamente, infiltrando-se em todas as regiões, e
isso se tornou a realidade para eles.
Para o imigrante japonês, o “Exército Imperial” era absoluto. Para todos
os japoneses, a educação militarista havia sido radicalmente ministrada sob um
sistema de mobilização de abrangência geral e eram extremamente fortes a
“confiança e lealdade” dedicadas às “Forças Armadas Imperiais” do “País Divino
governado por um Soberano sem igual no mundo”. Os imigrantes japoneses no
Brasil sentiam o mesmo amor pela pátria, porém, pode-se dizer que o sentimento
de “Vitória do Exército Imperial” havia sido potencializado, além de ter se
tornado inabalável, principalmente pelo fato de experimentar a vida de perseguidos
em terras hostis, ou, povo inimigo. Os anúncios DaiHon-ei Happyou eram
absorvidos pelos imigrantes japoneses, como água absorvida pela areia, pois
haviam sido privados de todos os meios de comunicação; viviam como numa “Vila
japonesa sitiada” dentro da nação inimiga – Brasil. Era exatamente a manifestação da essência do
estado de espírito do povo japonês mantido sob o fogo da guerra.
(2) O incidente de Santos – Ordem de evacuação compulsória na região litorânea
Em 8 de julho de 1943, o governo Vargas emitiu uma ordem de evacuação com
prazo de 24 horas para cerca de 10 mil “súditos do Eixo” que viviam na área
portuária de Santos. Essa ordem de saída repentina empurrou os mais de 6.500
japoneses e okinawanos ali residentes ao precipício do desespero e sofrimento
sem precedentes. A ordem cumprida por tropas do Exército e da Força Pública de
São Paulo havia sido emitida como retaliação aos ataques sofridos por um
submarino norte-americano e alguns navios mercantes brasileiros pouco depois de
sair do porto de Santos. Os ataques tinham sido feitos por um submarino alemão,
e o pretexto foi de medida preventiva contra supostas ações de espionagem
praticadas por súditos do Eixo, ou seja, de imigrantes da Itália, Alemanha e
Japão residentes na área costeira.
Diz-se que, pouco antes da emissão dessa ordem, o presidente Roosevelt
dos EUA estivera em visita ao Brasil e, no encontro com o presidente Vargas,
teria havido uma pressão, forçando o presidente brasileiro a tomar esse tipo de
medida. Na realidade, sabe-se hoje que, em 1942, o governo brasileiro teria
obtido um material sigiloso acerca da condução de japoneses do Havaí para
campos de concentração em diversas localidades nos EUA, e teria usado esses
documentos confidenciais como referência para as ações internas. (Nota: ver depoimento da professora
Priscilla Perazzo no documentário “Katararenakatta Kyousei Taikyo Jiken”
(“O Caso Velado da Evacuação Compulsória”, em tradução direta), exibido no canal japonês BS1 da
NHK em 19 de dezembro de 2019).
O jornal “O Estado de São Paulo” do dia 9 de julho de 1942, noticiou:
“Medidas de Segurança Nacional”
“Serão
afastados do litoral paulista e das proximidades da represa de Santo Amaro os súditos
do “eixo” nocivos aos interesses nacionais.”
“Comunicam-nos da Superintendência da Ordem
Política e Social:”
“Por determinação do major Vieira de Melo,
superintendente da Ordem Política e Social e como medida de segurança nacional,
foi iniciada hoje a retirada de todos os alemães e japoneses de Santos e da
área do litoral.
Os que dispuserem de recursos, viajarão por
conta própria e instalar-se-ão nesta capital às próprias expensas. O embarque à
localização só poderá ser feito, no entanto, com autorização da Ordem Política.
Os que não dispuserem de recursos serão
embarcados em trens especiais e alojados no prédio da imigração e,
posteriormente distribuídos por várias cidades do interior. (…)
Essa medida atinge cerca de 10.000 chefes de
família residentes em Santos e no litoral. Somente os italianos suspeitos de
atividades contrárias à segurança do país é que foram incluídos entre os que
devem sofrer essa medida.
Por sua vez, os súditos de países do “eixo”
que residem nas proximidades da represa de Santo Amaro também dali serão
retirados. Nos municípios do litoral a Superintendência de Ordem Política
executa idênticas medidas, tendo o major Vieira de Melo designado o delegado
Tavares da Cunha para o litoral sul e o delegado Tinoco Cabral para o norte.
Dentro de poucos dias o afastamento de todos
os elementos nocivos ao Brasil deverá estar concluído, graças à presteza com
que foram cumpridas as ordens do major Vieira de Melo, pelos delegados Afonso
Celso e Nelson da Veiga.
Numerosa turma de inspetores da polícia de
Santos e da Superintendência de Ordem Política está espalhada pelo litoral,
intimando japoneses, alemães e italianos a se retirarem para o interior do
Estado de S. Paulo, como medida preventiva de segurança nacional”.
(MAEYAMA,
T. 2004. p. 240-242.)
Simplesmente 6.500 imigrantes japoneses
tiveram que acatar a ordem de “evacuação em 24 horas”, tachados de “elementos
perigosos que ameaçam a segurança nacional”, estigmatizados como “espiões”. A
bem da verdade, não existia nenhuma evidência, nada que justificasse o rótulo
“espião”, mas surpreendentemente o governo decidira pela execução imediata da
“remoção preventiva” de “indivíduos nocivos, perigosos para a segurança
nacional”.
Por não estarem em
contato direto na Guerra do Pacífico, os imigrantes japoneses no Brasil
continuavam acreditando cegamente nos anúncios de vitórias sucessivas do
Exército Imperial irradiados pelo DaiHon-ei Happyou desde o ataque da
frente japonesa à base de Pearl Harbor. Inebriados que estavam nessa ilusão, a
ordem de evacuação compulsória foi para eles um balde de água gelada.
Sob olhares vigilantes das tropas do Exército e da Força Pública
pesadamente armadas, as pessoas eram levadas diretamente do trabalho, sem ao
menos poder contactar os familiares; não puderam pegar seus pertences; não
puderam desfazer-se de bens, organizar as lavouras ou os comércios; alguns,
simplesmente atordoados, apenas com a roupa do corpo, não sabiam o que fazer.
Nem os doentes, gestantes ou mulheres convalescentes do período pós-parto foram
poupados; mulheres, idosos e crianças eram arrancados de suas casas e vagavam
perdidos. As pessoas foram todas levadas à estação ferroviária da cidade.
Acuadas pelo tempo e pelas forças armadas, eram empurradas para dentro dos
intermináveis vagões, sem saber para onde seriam levados nem o porquê da
evacuação. O destino foi a hospedaria
dos imigrantes em São Paulo.
Os cerca de 6.500 imigrantes japoneses e okinawanos foram divididos em grupos
e, incluindo alemães, cada vagão trancado transportou 500 pessoas para subir a
serra do Mar. Todos desembarcaram na hospedaria dos imigrantes, local que ficou
abarrotado de pessoas, mal havia espaço para pisar. Ali tiveram que passar dias
e noites no chão, sem forros ou cobertores. A alimentação consistia num pedaço
de pão e uma porção de feijão aguado, uma vez ao dia, em tratamento análogo a
prisioneiros. E, além de tudo isso, ainda continuavam proibidos de usar a
língua natal, havendo severa punição pela vigilância armada, caso
desobedecessem.
Nesse cenário surgiu Margarida Watanabe, da Comissão Católica Japonesa
de São Paulo (posteriormente renomeada Assistência Social Dom José Gaspar).
Dona Margarida Watanabe, como era chamada, distribuiu não apenas roupas e
cobertores, mas principalmente alimentos como pães e sanduíches, atenuando a
grande fome pela qual passavam os imigrantes. A Comissão Católica Japonesa
centralizada na figura de Dona Margarida foi o único grupo que estendeu as mãos
em socorro às centenas de pessoas que chegavam seguidamente à hospedaria dos
imigrantes.
Assim que os oficiais finalizaram o levantamento dos destinos de cada
um, os imigrantes japoneses, em sua maioria okinawanos, foram informados que
jamais deveriam retornar a Santos e em seguida eram encaminhados aos destinos.
Aqueles que tinham parentes ou amigos que os recebessem nos arredores de São
Paulo foram para aí direcionados. Outros só tinham parentes ou conhecidos no
interior de São Paulo, e para aí seguiram. E outros, não tinham com quem
contar.
Dona Margarida Watanabe descreveu as condições na hospedaria dos
imigrantes da seguinte forma:
“-…Eram
muito poucas as pessoas que andavam calçadas, sabe, a maioria usava chinelos de
borracha, e alguns estavam descalços. Estavam indo para o interior, contando
com parentes ou amigos, nós comprávamos as passagens e, como alguns não tinham
nada, os enviávamos com algum dinheirinho para os primeiros dias (…) Mulheres
grávidas que de repente entraram em trabalho de parto, pessoas adoecendo, com
febre alta, mulheres grávidas que abortaram espontaneamente tamanho o susto,
pessoas que começaram a apresentar comportamentos estranhos repentinamente,
enfim, muita confusão. Isso continuou por 10 dias. Das pessoas expulsas de Santos,
as que chegavam, as que saíam, todas foram registradas na hospedaria dos
imigrantes. Daí temos o total de 6.500 pessoas”.
(MAEYAMA,
T. 2004. p. 244-245.)
Assim ela deixou o registro, como autêntica testemunha.
A cidade portuária de Santos era, à época, a cidade de maior
concentração de imigrantes okinawanos, com mais de 3.500 pessoas de cerca de
450 famílias. Os danos físicos, materiais e psicológicos, além do sacrifício
imposto sobre os imigrantes okinawanos foram gigantescos, imensuráveis.
Imigrantes pioneiros que vieram no navio Kasato Maru, como o casal Kame
e Kamasuke Nakasone, Ushi Ishihara, Bungoro Naka, Kama Nakasone, casal Kame e
Kana Miyagi, Saichiro Shiroma, casal Osa e Zensuke Kanashiro, Jingyu Chinen
entre outros, depois de passar por inimagináveis sofrimentos, haviam finalmente
se estabelecido e construído suas vidas aos poucos em Santos. Foram obrigados a
deixar tudo que haviam conquistado, como estabelecimentos comerciais, fazendas
ou chácaras, suas terras e os animais como cavalos, vacas, porcos e galinhas…
foram expulsos de suas próprias casas e enviados forçosamente para locais como
cidade de São Paulo, Santo André, cidades do interior como Araçatuba, Avaré ou
Bauru. Também tivemos o caso de Risaburo Miyagi, que estava em pleno período de
tratamento de saúde quando se deparou com a ordem de evacuação compulsória, mas,
imediatamente fez contato com o prefeito Joaquim, de Miracatu, para pedir a
anulação da ordem de evacuação a imigrantes japoneses e okinawanos residentes
ao longo da costa litorânea, da estrada de ferro Santos – Juquiá. Risaburo
Miyagi conseguiu seu intento, mas, durante a luta contra a doença que lhe
açoitava o corpo, uma piora no quadro acabou ceifando sua vida logo no ano
seguinte, em dezembro de 1944.
Também houve casos como o de Josho Gushiken, cuja esposa nascera no
Brasil: teve que deixar a esposa e a pequena filhinha e, sozinho, somente com a
roupa do corpo, seguiu para Botucatu, na linha Sorocabana onde viviam a irmã e
o cunhado. Ali conseguiu abrigo e teve que viver separado de sua família, até o
fim da guerra. Há casos como o de Chinroku Kanashiro, que fora encarcerado por
10 dias no centro de detenção, simplesmente por ter cumprimentado um patrício
em japonês.
Desse modo, os imigrantes japoneses e okinawanos que receberam a tão
absurda ordem de deixar toda sua vida de Santos, exilados de onde estavam
acostumados a viver, sofreram inúmeras dificuldades, carregando o fardo de
pertencer a uma das “nações inimigas”. Foram daí forçados a se dispersar, e a
maioria deslocou-se para lugares desconhecidos do interior de São Paulo.
Após a derrota do Japão na guerra e a rendição incondicional de 15 de
agosto de 1945, os imigrantes receberam permissão oficial para retornar a
Santos. Mas, ao retornar, a cena que vivenciaram, em sua maioria, era
desoladora. Alguns encontraram a moradia ocupada por brasileiros desconhecidos,
outros, a casa totalmente destruída; terras arrendadas estavam ocupadas por
outros; cavalos, vacas, porcos e galinhas haviam desaparecido. As pessoas que
se depararam com esse cenário, somente ficaram estáticas, boquiabertas. Alguns
tiveram a sorte de contar com vizinhos benevolentes, que cuidaram dos bens
enquanto exilados. Entretanto, muitas famílias okinawanas tiveram que optar por
dar continuidade às vidas nos locais onde haviam se refugiado, no interior ou
nos arredores da cidade de São Paulo. Tiveram que recomeçar do zero, em meio a
novas turbulências que cobriam a sociedade japonesa do pós-guerra.
(3) O incidente de Santos mantido na obscuridade da história
A propósito, ainda hoje, passados 77 anos após a ocorrência, esse
colossal incidente de Santos, que envolveu mais de 6.500 imigrantes japoneses,
estigmatizados como “espiões de guerra”, sequer foi investigado por historiadores
da imigração japonesa no Brasil.
As pesquisas no caso do Bunkyo – o Pilar da Sociedade Japonesa no Brasil
O Bunkyo (Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social), considerado
por outros e autodenominado “pilar da sociedade japonesa no Brasil”, publicou
livros como “História de 70 Anos de Imigração Japonesa no Brasil” (agosto de
1980); “80 anos de imigração japonesa no Brasil” (junho de 1991); ou “100 anos
da imigração japonesa no Brasil” (abril de 2008). Em todas essas publicações, o
incidente de Santos foi mencionado apenas entre 1 a 5 ou 6 linhas. Por exemplo,
no livro comemorativo de 80 anos da imigração, passados quase 50 anos desde o
incidente, este foi descrito da seguinte forma:
“(…)
E, no dia 8 de julho de 1943, 5 cargueiros do Brasil e dos EUA, que tinham
acabado de deixar o porto de Santos, foram afundados por submarinos alemães.
Esse fato foi julgado como resultado de rede de espionagem dos súditos do Eixo
residentes no litoral paulista, e foi emitida uma ordem de retirada desses
súditos num prazo de 24 horas. Os cerca de 1.500 japoneses expulsos da orla
foram encaminhados à hospedaria dos imigrantes em São Paulo, de onde seguiram
contando com abrigo de familiares ou conhecidos na cidade ou no interior do
estado”. (p.149-150)
Dessa forma, há apenas breve menção ao ocorrido, como uma nota de
jornal, citando a decorrência de modo bastante objetivo. Não houve sequer um
exemplo de como teria sido a opressão durante a guerra, a quais flagelos teriam
sobrevivido os exilados à procura de um lugar para ficar na cidade ou no
interior de São Paulo.
Igualmente, no livro “História dos 100 anos da imigração japonesa no
Brasil” (MARUYAMA, H. 2010), também há somente uma nota, nos mesmos moldes do
livro dos 80 anos.
Pior! Na seção “Geral/Sociedade” do 5º volume da obra “100 Anos da
História da Imigração Japonesa no Brasil” (5 volumes), publicada pela Comissão
Editorial da História da Imigração Japonesa no Brasil versão japonesa, na
ocasião da comemoração do centenário, não há sequer a menção ao incidente de
Santos. Tampouco figura na linha cronológica ao final do livro. É incrível!
Não que inexistam relatos sobre o cerceamento da liberdade (de publicar
ou possuir materiais em japonês, de usar a língua falada ou até de ir e vir) a
que os japoneses foram submetidos; sobre a evacuação dos moradores dos
arredores da Rua Conde de Sarzedas ou sobre o congelamento de bens de empresas
ligadas aos países do Eixo. Mas, o que justifica a quase total ausência de
relatos sobre o incidente de Santos? Por que o caso, sem precedentes na
história da imigração no Brasil, de evacuação em menos de 24 horas de mais de
6.500 imigrantes japoneses foi tão desvalorizado, tratado de maneira tão
irrelevante? Não existe nenhum fundamento que justifique.
Durante a Guerra do Pacífico, o governo dos EUA “internou”
coercitivamente, em campos de concentração no meio do deserto, os nikkeis
americanos, ditos “súditos do Eixo”, como clara manifestação de repressão
discriminatória contra os direitos humanos. Os nikkeis americanos fizeram uma
campanha por anos a fio, para exigir do governo o “pedido de desculpas e
compensação” pelos danos sofridos. E, em 1988, no mandato do então presidente
Ronald Reagan, o Congresso, em nome do país, retratou-se, com um pedido de
desculpas formal, pois “o nipo-americano, assim como qualquer cidadão
americano, tinha a liberdade fundamental garantida pela constituição”. E, como
reconhecimento ao erro e como indenização aos sobreviventes, o governo
instituiu um fundo monetário para fins educacionais.
Então, no processo de edição do livro “80 anos”, bem como dos 5 volumes
da “História da Imigração Japonesa no Brasil” publicados em face a tal situação
histórica, posso afirmar que, definitivamente, nem os pesquisadores nem os
principais líderes da sociedade japonesa no Brasil chegaram a tomar consciência
de que o incidente de Santos foi análogo à questão dos nipo-americanos que
passaram por situações de violação dos direitos humanos e repressão
discriminatória nos campos de concentração durante a Guerra do Pacífico.
Portanto, posso afirmar que faltou neles a conscientização da questão,
uma análise do caso de Santos como um importante incidente histórico dos
imigrantes japoneses no Brasil ocorrido durante a guerra.
Koyo Kishimoto, em sua obra “Nambei no Sen’ya ni koritsu shite”
(1947), refere-se à evacuação compulsória de Santos como o “O Êxodo do
imigrante japonês”, e relata os dissabores na “trajetória de sangue e lágrimas
dos 6.500 compatriotas em terras inimigas”. Sequer esse trabalho pioneiro teve
a atenção merecida, e ainda hoje continua ignorado e enterrado na obscuridade
(Nota).
Dessa forma, as investigações sobre a veracidade histórica do incidente
de Santos foram totalmente desprezadas, desde as pesquisas para a publicação do
livro de “80 anos” até as publicações posteriores.
(Nota):
Em março de 2011, Sumu Arata publicou em Senjika no Nihon Imin no Junan
(O martírio do imigrante
japonês durante a Guerra do Pacífico), um compilado de
registros de pessoas envolvidas à época, na qual está inserido um material
histórico alusivo ao incidente de Santos, especialmente o manuscrito de Akio
Yanagizawa – relacionado à “Ordem de Despejo aos moradores da área costeira de
Santos”, inicialmente publicado no jornal São Paulo Shimbum (1947); ou o
depoimento do okinawano Jinwa Shimabukuro (da série Colonia 50 nen no Ayumi,
do jornal Paulista Shimbum). Também o 2º volume da série Nippon Bunka
(Nikkei Shimbunsha, 2016), que contém a reimpressão dos artigos de Koyo
Kishimoto: Nihon Imin ni totteno Shutsu Ejiputo Ki – Santos Kyousei
Tachinoki (A
Evacuação Compulsória de Santos – o Êxodo do imigrante japonês)
e Colonia no Haha Watanabe Margarida Fujin (Dona Margarida Watanabe, a Mãe da
Colônia),
são publicações que, em meio à atual situação de descaso, serão de grande valia
às investigações e apurações de fatos sobre o tema, que mal é abordado como matéria
de pesquisa nos estudos da história da imigração japonesa na sociedade nikkei.
Nesse sentido, podemos afirmar que ambas possuem um grande significado.
As pesquisas sobre a história da imigração no caso da AOKB
A propósito, no caso dos estudos da imigração okinawana no Brasil, como
têm sido conduzidas as pesquisas e investigações sobre o caso de Santos?
Em fevereiro de 1959 foi publicado “Okinawa Kenjin do Brasil – a
trajetória de 50 anos”, em comemoração ao cinquentenário da imigração okinawana
no Brasil. Nessa obra, editada por Zenkichi Shiroma, há uma entrevista com 14
pessoas retiradas compulsoriamente de Santos, no tópico intitulado “Esboços do
desbravador”. São: Josho Gushiken. Kosuke Iha, Shozo Kadekari, Shinshin
Miyashiro, Junai Miyashiro, Kama Nakasone, Naoyoshi Uehara, Hidetoshi Higa,
Shoji Kyan, Shinsei Yamashiro, Genjou Shiohama, Shuki Tahara, Taro Shin’yashiki
e Shiho Toma. Há o registro dessas pessoas que, ao serem obrigados a deixar
tudo que até então tinham construído em Santos, seguiram rumo à cidade de São
Paulo, Tupã, norte do Paraná, Sorocabana, Cândido Rodrigues, entre outras
cidades do interior de São Paulo ou Paraná para refazer suas vidas. Também são
relatados os casos das pessoas extremamente benevolentes que auxiliaram
incondicionalmente os sobreviventes como Taro Shin’yashiki e Shiho Toma. No
entanto, o incidente de Santos, os fatos e os testemunhos não foram registrados
como investigação de um acontecimento histórico sofrido pelos imigrantes
japoneses durante a guerra. Foram somente pincelados em meio a 398 “Esboços do
desbravador”. Porém, é inegável que esse registro inédito de nomes e da
trajetória de ao menos alguns dos exilados de Santos, seja extremamente valioso
na história da imigração okinawana.
Mosei Yabiku, em seu livro “Imigração Okinawana no Brasil” (1987),
descreveu em “Durante a Guerra” no capítulo 5, “A Guerra do Pacífico e os
Okinawanos”, sobre a eclosão da guerra do Pacífico e o rompimento das relações
diplomáticas; a proibição de quaisquer publicações em japonês e do uso do
idioma e a prisão de várias pessoas pela infração desta última; e registrou o
despejo de imigrantes okinawanos que moravam nos arredores da Rua Conde de
Sarzedas na capital paulista, em 7 de setembro de 1942, seguidos do relato:
“uma colossal confusão se instalou na vida dos residentes de Santos, ao
receberem a ordem de evacuação em 24 horas (…) As pessoas queriam se desfazer
de seus bens, os comerciantes queriam dar um jeito nas mercadorias, os
chacareiros correram a se desfazer até dos animais. Famílias com doentes
imploraram pela prorrogação do prazo em 2 ou 3 dias, mas tal pedido lhes foi
negado, o que levou à consequente perda do ente querido; parturientes que,
devido ao susto e ao desespero, ficaram sem leite para amamentar… e a confusão na estação de Santos era
indescritível” (YABIKU, M. 1987 p. 254-255). Assim narra o autor, sob a ótica
do próprio imigrante.
Também em “História da imigração okinawana no Brasil – 90 Anos após o
Kasato Maru” (AOKB jun 2000) editado por Isamu Yamashiro, há um artigo do
capítulo 7 “Lacuna na Imigração”, no qual aborda o tema “A Guerra do Pacífico e
os Okinawanos”, cujo título é “(1) Rompimento das relações diplomáticas – o
sofrimento dos súditos do Eixo”. Esse artigo foi escrito por Akira Miyagi e
relata, como em “Imigração Okinawana no Brasil” (1987), o desespero dos
imigrantes okinawanos que receberam a ordem de evacuação em apenas 24 horas. Há
registros com exemplos concretos, como os já citados casos de imigrantes como o
casal Kame e Kamasuke Nakasone, Ushi Ishihara, ou Kama Nakansone, pioneiros
imigrantes do navio Kasato Maru que, após inúmeros e inenarráveis sofrimentos,
construíram suas vidas mas, de um instante a outro, tiveram que deixar tudo para
trás, fugindo para lugares como a cidade de São Paulo ou ao interior, como
Campinas e Avaré. Também o caso de Josho Gushiken, também já citado, forçado a
sair de sua casa, teve que procurar abrigo na casa do cunhado em Botucatu, na
linha Sorocabana, e viver afastado de sua esposa e filha, que puderam
permanecer na casa pois eram nascidas no Brasil.
Igualmente, no livro “Associação Okinawa Kenjin Subsede Santo André – 45
Anos desde a Fundação”, cujo presidente da comissão editorial, Isamu Yamashiro,
foi o próprio autor deste artigo, esclarece em “O processo de fundação da
subsede” (primeira parte do primeiro capítulo) que, dentre os imigrantes
pioneiros na região de Santo André, Shian Hirata; Kamazo Higa; Kana Shiroma;
Zennosuke Nishitokujo; Tatsukichi Yamashiro; Jōchoku Tamanaha e Kotaru Gushiken
estavam na lista dos que haviam sido expulsos de Santos e, após vaguear pelo
interior do estado em busca de um local para viver, haviam chegado a Santo
André. Eles figuraram entre as pessoas que atuaram na fundação da Associação
Okinawa Kenjin subsede Santo André, fundada em 5 de outubro de 1955. Relata
inclusive o fato de que Shian Hirata assumiu o cargo de 5º presidente da
subsede. (p. 59 – 65)
Finalmente, no 1º capítulo “A eclosão da Guerra do Pacífico e o sofrimento
dos imigrantes japoneses” (p. 139) da Parte II (Lacuna da Imigração) em
“História da Imigração Okinawana em Fotos” (AOKB, 2014), editado por Akira
Miyagi e publicado como parte das comemorações do centenário da imigração
okinawana no Brasil, o incidente de Santos foi retratado como sofrimento sem
precedentes ao imigrante japonês em meio às pesadas repressões impostas pelo
governo brasileiro que havia decidido apoiar os países aliados na guerra do
Pacífico. Obviamente o livro é de “História em Fotos”, portanto o foco está na
parte visual, mas, durante o processo de edição do livro, não tínhamos
conseguido coletar mais fotos, o que se restringiu à da Escola Japonesa de
Santos (p. 39).
Desse modo, nas publicações relacionadas à imigração okinawana, o
incidente de Santos está na iminência de ser investigado como grave caso de
repressão ligado à Guerra do Pacífico. Contudo, é difícil afirmar que esteja
sendo pesquisado, investigado e esclarecido num panorama geral como um caso
histórico de repressão discriminatória e de violação aos direitos humanos,
imposto aos imigrantes japoneses e okinawanos. Isso porque o movimento em prol
da devolução da sede da Escola Japonesa de Santos, confiscada pelo governo
federal, foi liderado pela Associação Japonesa e pela subsede Santos da Associação
Okinawa. Apesar desse movimento ter se arrastado por anos a fio, não contou com
nenhum apoio ou esforços por parte da AOKB. Portanto, está claro que, mesmo nos
estudos sobre a história dos imigrantes relacionada aos okinawanos, o incidente
de Santos foi, ao longo da história, sendo deixado de lado sem que tivesse sido
completamente esclarecido. É preciso dizer que urge uma reflexão e ação, tanto
por parte da Associação Okinawa Kenjin do Brasil, assim como de todos os
pesquisadores, inclusive da minha pessoa.
(4) O incidente de Santos desterrado
1. A descoberta acidental do material histórico:
“Lista de japoneses residentes em Santos no momento da
Evacuação Compulsória e respectivos destinos”
Certo dia de agosto de 2016, o diretor de documentários Yoju
Matsubayashi, residente em Okinawa, estava em visita à sede da Associação
Japonesa de Santos. Olhava casualmente para uma pilha de papéis amontoados num canto
atrás da recepcionista, quando identificou as palavras “Evacuação Compulsória
… 1943 …”. Imediatamente seu instinto profissional aguçou-se e pensou: “Será
que não é um material histórico?!?”. Pediu permissão ao encarregado e
começou a folhear o material. Ali continha os nomes dos chefes das famílias
japonesas expulsas de Santos, tudo separado por bairros. Percebeu também que a
maioria tinha sobrenomes peculiares, dos originários de Okinawa… A maioria
dos imigrantes expulsos de Santos era de imigrantes okinawanos.
Matsubayashi imediatamente contactou o editor chefe do jornal Nikkei
Shimbun, Masayuki Fukazawa, contou-lhe o ocorrido e, por iniciativa do próprio
sr. Fukazawa, foi marcado um encontro para o dia 15 de setembro. Reunimo-nos 5
pessoas: Masayuki Fukazawa, Mário Okuhara, diretor do documentário Yami no
Ichinichi, Yoju Matsubayashi, Isamu Yamashiro e eu, Akira Miyagi, debruçados
sobre o material original.
Discutimos o fato de que, apesar de o incidente de Santos ter sido
ocasionado por acusações infundadas de “espionagem”, impingidas aos “súditos do
Eixo” principalmente aos imigrantes japoneses e alemães e tenha culminado na
evacuação compulsória com curto prazo de 24 horas, este fora praticamente
esquecido, deixado de lado por mais de 70 anos na obscuridade da história. Não
lhe foi dada a devida atenção nem pela sociedade japonesa. Também constatamos
que a lista consistia em “material histórico de primeira”, e a conversa avançou
para a importância de testemunhos que embasassem esse material. Daí,
confirmamos a divisão de tarefas no sentido de cada um prosseguir com pesquisas
e investigações nas respectivas áreas.
A partir daí, em rápida ação, Matsubayashi conseguiu chegar à origem da
lista: o documento fora criado pelo então diretor da Escola Japonesa de Santos,
Akio Yanagisawa. Nascido na província de Nagano, o Sr. Yanagisawa viera para o
Brasil logo após graduar-se na Escola Normal da Província de Kanagawa. Durante
a guerra, após o rompimento das relações diplomáticas decretado pelo governo
brasileiro e da retirada dos diplomatas japoneses, Yanagisawa trabalhou na
agência consular japonesa sediada dentro do Departamento Consular da Espanha
(de 1942 até março de 1945). Após a guerra, foi alocado para o setor consular
japonês no Departamento Consular da Suécia (de 1945 até 1952). E, após o
restabelecimento das relações diplomáticas, passou a trabalhar no Consulado
Geral do Japão em São Paulo, onde permaneceu até 1980.
Presume-se que ele tenha feito esses registros e constituído todo esse
material histórico durante a estadia no Departamento Consular espanhol.
Sucedendo os nobres desejos do sr. Yanagisawa, incutidos na confecção
desse rico material, e para trazer à luz o incidente de Santos, empregamos
todos os esforços destrinchando, pesquisando e saindo em busca de sobreviventes
ou descendentes que nos pudessem dar um testemunho vivo do ocorrido. Tudo foi
conduzido com base na lista deixada. E, para esclarecer cada vez mais,
desenterrando um fato que estivera soterrado por longos 77 anos, temos
publicado em Muribushi os testemunhos coletados. Da mesma forma,
participamos ativamente na investigação da verdade e no movimento de
esclarecimento dos fatos com o pedido de retratação enviado ao governo federal
pela AOKB, a fim de restaurar a honra dos nossos antecessores pioneiros, injustamente
rotulados de “espiões de guerra”.
2 A verdade da história, questionada pelos diversos testemunhos
A propósito, nós, do Centro de Pesquisas da Imigração Okinawana no
Brasil, analisamos e investigamos a “Lista dos japoneses e seus paradeiros”,
encontrada pelo sr. Yoju Matsubayashi e a publicamos na íntegra, no volume 3 da
série Muribushi (p.127 – 138), além de estarmos dando continuidade à
busca por depoimentos de sobreviventes da época.
Com base na lista e graças à ajuda de: José Carlos Goya (presidente da
Associação Okinawa Subsede Santos), Kosei Tamaki e Chosho Iraha, diretores dessa
Associação e dos diretores da Associação Okinawa Subsede Santo André, conseguimos
encontrar, gozando perfeita saúde, o sr. Masao Toyama (com 20 anos à época do
incidente), e o sr. Luiz Kazuei Hashimoto (13 anos à época), que nos
proporcionaram importantes depoimentos sobre os indescritíveis sofrimentos
daquele fatídico período. Fizemos também uma visita à Escola Japonesa de Santos
que, após 70 anos, tiveram sua sede finalmente reintegrada, e pudemos
agradecer-lhes a colaboração. Encontramo-nos também com a sra. Toyo Yabiku (10
anos à época), e o sr. Seiichi Tsuha (com 13 anos na época), os dois atualmente
residentes em Santo André. As entrevistas estão publicadas em Muribushi vol.3
(2017 p. 139-146).
Nesses depoimentos, os declarantes se abriram pela primeira vez,
relatando vivamente as atrocidades, como a a expulsão de suas casas por
oficiais pesadamente armados, somente com a roupa do corpo; a ida à hospedaria
dos imigrantes, seguindo posteriormente ao interior de São Paulo como Marília, onde
também sofreram discriminações; a situação desesperadora da irmã com 3 filhos
que, ao perder o contato com o marido, foi ao extremo do medo e da solidão e acabou
perdendo o juízo; ou o caso da família que, ao fim da jornada rumo ao interior,
seguindo o contato de um conterrâneo, teve que morar num galinheiro para daí
reconstruir a vida aos poucos. Os depoimentos tiveram grande repercussão e
novos testemunhos foram surgindo, como os de: Roberto Massakatsu Sakuma; Noboru
Minei; Yusei Higa; Oswaldo Teruya; Elza Setsu Hanashiro; Ana Maria Higa e os
irmãos Shinki e Shin’ei Shinzato. (ver Muribushi 2018 vol.4 p. 97
– 117)
Essas pessoas começaram a sair do silêncio, contar a verdade sobre um
fato pesado e doloroso, sobre os dias de perseguição e sobrevivência dos
exilados de Santos, como se uma enorme barragem que os obrigava a ficarem
calados tivesse, finalmente, sido removida.
Da mesma forma, Eiyu Gushiken, Haru Gushiken, Masaru Higa, Josuke
Kamiya, Alice Kanashiro, Eisuke Kanashiro, Eiko Nohara, residentes em Campo
Limpo, nos cederam entrevistas (ver Muribushi vol.5 p. 4). Também
tivemos depoimentos dos familiares de Kosaburo Gushiken; e o neto do sr.
Tokuyuki Kanashiro, Yukihide Kanashiro, que nos enviou um artigo para
publicação neste livro (ver p. 236).
Em 14 de julho de 2019, foi realizada uma missa em memória dos falecidos
exilados de Santos, na igreja São Gonçalo, localizada no centro de São Paulo,
com a participação do diretor cinematográfico Mário Jun Okuhara, do presidente
da AOKB Milton Sadao Uehara, de Eiki Shimabukuro e este, Akira Miyagi. Juntos,
solicitamos a solidariedade de todos e agradecemos profundamente ao Padre da
Igreja.
Ademais, o jornal Nikkei Shimbun noticiou grandemente os esforços
empenhados na coleta de testemunhos, além de publicar uma série de entrevistas
sobre o caso (“Evacuação de Santos – o que aconteceu naquele dia?” – da
repórter Akiko Arima). Essa série de entrevistas trouxe à tona o incidente já
esquecido pela sociedade, retomando sua importância na trajetória histórica. A
repercussão chegou a Okinawa, com as reportagens nos jornais Ryukyu Shimpo
e Okinawa Times, sobre as publicações da lista e depoimentos em Muribushi.
Em 24 de maio de 2018, o então presidente da AOKB/CCOB, Eiki
Shimabukuro, a pedido de Mário Jun Okuhara, colocou em votação na reunião de
diretoria, a confecção de uma petição endereçada ao Governo Federal, como
“Retratação aos imigrantes japoneses no Brasil”. Esta foi aprovada por
unanimidade. Em seguida, foi realizado um Simpósio sobre o caso de Santos no
salão da AOKB, ocasião em que foi esclarecida e delineada a direção da petição.
Está claro que ainda hoje, passados 75 anos do incidente, o governo brasileiro
que estigmatizou o imigrante japonês como autores de “denúncias de espionagem”,
decretou medidas absurdamente discriminatórias, empurrando cruelmente os
imigrantes para o abismo do desespero, e em nenhum momento na história se
desculpou perante o sofrido e calado povo. Nesse dia, foi delineado o esboço da
petição, de se realizar uma retrospectiva da história da imigração japonesa e
um pedido de desculpas formal, para a restauração da honra dos imigrantes
pioneiros.
Em 11 de dezembro de 2019, a AOKB/CCOB constituiu uma comitiva para
entregar pessoalmente o “Pedido de Retratação aos imigrantes japoneses no
Brasil”, na Comissão de Anistia, junto ao Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos. A comitiva foi formada por Mário
Jun Okuhara, Milton Sadao Uehara, Eiki Shimabukuro e Akira Miyagi. A audiência
foi realizada por duas advogadas que nos ouviram atentamente e foram 2 horas de
intensa troca de informações (normalmente, a audiência dura cerca de 20
minutos). Assim foi o primeiro contato na Esplanada dos Ministérios em
Brasília. (Veja solicitação para a audiência neste livro, p. 246 e a íntegra da
petição em Muribushi vol. 4 p. 124-127).
Além disso, Yoju Matsubayashi, dedicando-se inteiramente à coleta de
depoimentos de sobreviventes do fatídico incidente, conseguiu produzir um
documentário de 49 minutos, o anteriormente citado “Katararenakatta Santos
Kyousei Taikyo Jiken”, exibido no dia 19 de dezembro de 2019 pela BS1 do
canal NHK do Japão, em japonês e inglês. O caso velado e soterrado da evacuação
compulsória de Santos foi transmitido no Japão, no Brasil e irradiado pelo
mundo inteiro.
Por meio dos depoimentos dos sobreviventes, percebemos que a verdadeira
face histórica do incidente de Santos consiste em grave repressão
discriminatória, a qual violou os direitos humanos e ameaçou inclusive o
direito de sobrevivência dos mais de 6.500 imigrantes japoneses expulsos de
Santos, sob a ordem de evacuação em apenas 24 horas. Além de tudo, foi
claramente um ato de abuso de poder do Estado, impingindo o falso rótulo de
“denunciante espião”.
Pioneiros imigrantes que, após construir suas vidas tijolo a tijolo,
tiveram tudo destruído, confiscado, perderam as moradias, tiveram seus direitos
humanos violados e foram obrigados a recomeçar. Mesmo após decretado o fim da
guerra, não mais puderam retornar a Santos, permanecendo nos arredores de São
Paulo ou tentaram, com todas as forças, recomeçar no interior do estado. Além
disso, ainda atravessaram o conturbado período de total ruptura da sociedade
japonesa, no olho do conflito “derrotistas x vitoristas”. Em meio a essa
turbulência, dedicaram-se à educação de seus filhos. As crianças daquela época,
hoje, são exemplares cidadãos formados médicos, engenheiros, dentistas,
empresários, advogados, professores universitários, bancários, políticos, entre
outros, contribuindo positivamente ao desenvolvimento da sociedade brasileira.
Os antecessores e pioneiros imigrantes sobreviveram às adversidades da
guerra e estabeleceram as bases para a sólida formação das famílias, abrindo o
caminho para a consolidação do sucesso dos descendentes como uchinanchus
do Brasil. Portanto, é com profundo respeito e gratidão a eles e com o intuito
de restaurar-lhes a honra, que devemos continuar com o movimento de solicitação
de pedido formal de desculpas do governo brasileiro, bem como o reconhecimento
do grave erro cometido, incutindo nos imigrantes japoneses o estigma de
“espião”. Ao mesmo tempo, devemos continuar investigando com mais profundidade
o incidente de Santos, a fim de situá-lo claramente no panorama geral da
história da imigração japonesa e okinawana no Brasil.
O Centro de Pesquisas da Imigração Okinawana no Brasil pretende
continuar as pesquisas e as investigações por meio do livro Muribushi.
(8 de julho de
2020 – 77º aniversário do incidente da evacuação compulsória de Santos)
Texto publicado no Muribushi
– Vol.6 e 7 (2021) – Págs. 190 a 221
Por Akira Miyagi
Tradução: Jane Tomoyo
Miyahara
[1]
Departamento responsável pelos anúncios oficiais da situação da guerra – atuou de novembro de 1937 até
agosto de 1945. No início, as informações eram precisas, mas, a partir de maio de 1942, quando
a situação ficou desfavorável no Mar dos Corais, o departamento passou a anunciar números a favor do
exército japonês. A partir daí, foi tomando volume incontrolável e, por mais trágico que fosse o resultado,
anunciavam falsas notícias. O termo DaiHon-ei passou a ser utilizado
para indicar que o anúncio feito por alguma autoridade não é confiável.
(fonte: <https://kotobank.jp/word/%E5%A4%A7%E6%9C%AC%E5%96%B6%E7%99%BA%E8%A1%A8-558400>
acesso em:7 de setembro de 2020.)
[2]
Estação japonesa que começou a irradiar notícias para a América do Sul a partir de
novembro de 1938, e emitia o boletim expedido pelo DaiHon-ei.