50 anos da “Reversão” de Okinawa – Comemorar o quê?
50 anos da "Reversão" de Okinawa - Comemorar o quê?
No dia 11 de junho, foi realizado o evento “50 Anos da ‘Reversão’ de Okinawa –
Comemorar o quê?”, no Espaço Divinas Tetas, Vila Carrão-SP. Organizado por um
grupo de jovens shimanchu brasileires, o título do evento já diz bastante sobre
as inquietações, motivações e questionamentos que mobilizaram mais de cem
pessoas presencialmente desde a organização até a participação das atividades.
“Comemorar o quê?”, pergunta vinda de um poema de Karina Satomi, do blog
Okinawando, sobre a “Reversão” de Okinawa, aponta não apenas para o
esvaziamento de datas históricas e celebrativas mas nos conduz a perguntas e
ambivalências soterradas pelo ar de comemoração ou recordação imposta. Sempre
digo nas minhas aulas que a história e a memória são feitas do que é lembrado,
mas também de como o processo de recordar, é também um processo de esquecer.
Histórias são feitas de memória e esquecimento. Mas é possível visibilizar
ambos os caminhos ao mesmo tempo.
Um dos motivos para que a data seja passível de comemoração é, como aponta o
professor Newton Itokazu, que a “Reversão” enquanto reintegração de Okinawa
como a 47ª província japonesa é um processo histórico finalizado, muito ligado
a ideias de soberania, territorialidade e a uma cidadania japonesa. Contudo,
todo fato histórico é passível de muitas interpretações e muitas delas podem
ser bem diferentes mesmo para gerações de uma mesma comunidade e
ancestralidade. Mas o processo de criação, organização e realização do evento,
nos mostrou o quanto nossas gerações estão fortemente ligadas e que muitas
vezes não percebemos esses fios que nos une pois estamos soterrados.
A criação do evento foi estruturada no princípio do mochiyori, não apenas de comida como
estamos acostumados, mas do que cada pessoa poderia trazer para somar e compartilhar
com todos. Foram chegando a barraca de prints e artes, a de troca de sementes e
saberes, a pintura ao vivo numa parede, documentários, música, videoclipe, roda
de conversa e três obras exclusivas do evento: o documentário de
“Vídeo-depoimentos 50 anos de “Reversão'”, o videoclipe 本土復帰50 (50 anos da
“Reversão”) e a exposição de fotos do Okinawando. Assim, mesmo que a
concentração presencial tenha sido em São Paulo, no mochiyori tinha gente de Campo Grande, Brasília, Estados Unidos,
Canadá e Okinawa. Mais tantos outros lugares e tantas outras pessoas que
somaram aos esforços para que o evento acontecesse. Bem como a “Reversão” não é
um processo histórico finalizado, o evento também não. Foi um ponto de
convergência, que não começou nas poucas semanas que tivemos para erguer o
encontro, e não acabou depois de limparmos o salão.
“Comemorar o quê?”, como um gatilho, deu palavras para
sentimentos, reflexões e materiais que inicialmente não sabíamos que tinham a
ver diretamente com a “Reversão”, como o que construímos como identidade,
cultura e ancestralidade. Foi através de uma união coletiva, paciente e
resiliente que pudemos retirar os destroços que nos sufucavam. Contar
silêncios, ousar duvidar e questionar, desconstruir e construir algo
transformador no lugar não se faz sem companhia e sem comunidade. Ninguém que é
soterrado por uma pilha de escombros sai sozinho e ileso. E justamente por
tanta gente estar junta nesse processo, escavar memórias doloridas, gritar
perguntas silenciadas teve muita leveza, amor, parceria e amizade.
50 anos da “reversão” de Okinawa para o Japão
Karina
Satomi Matsumoto
.
Comemorar o que?
O desaparecimento
da nossa cultura
das nossas línguas
da nossa soberania?
.
Comemorar o que?
Andando pela 58
Olho para direita,
base militar
Viro para a esquerda,
base militar
Chego na cidade natal de Kadena
82% base militar
.
Comemorar o que?
Você foi estuprada, mas agora
Descanse sem paz,
Yumiko-chan,
Pois em 1972 tudo mudou
Não é mesmo, Rina,
minha querida irmã?
.
Comemorar o que?
Ser um japonês de 2ª classe
A província mais pobre
Depósito de militarismo e poluição
Democracia sem valor
.
Então, vamos comemorar
Que gloriosos 50 anos!
Acreditar que fomos e somos japoneses
Acreditar que está tudo bem
Enterrar de vez
nosso passado,
nossa memória,
nossas línguas,
aqueles que foram sacrificados sem
piedade pela pátria-mãe
Que hoje pede que comemoremos
Porque Okinawa é só sorrisos
Sol e longevidade,
.
Mas ali profundamente no solo e nas
almas,
Perpetuam-se todos os traumas
Gritos que quiseram calar
Histórias que nos fizeram esquecer
.
Hoje algo dentro de mim está gritando
Ela diz coisas desconexas
Só escuto a raiva
As mágoas que os antepassados transmitem
Que eu não sei de onde vem
Mas eu sei!
Vem da comemoração do esquecimento
Da celebração da ignorância
Do disfarce do sofrimento
Da decisão de seguir o caminho mais fácil
Abaixar a cabeça para o colonizador
.
Escuto mais um pouco
A voz diz: Wannee uchinaanchu!
Ela me lembra que
A voz que veio de longe
Pode ainda ir muito mais
Até chegar o dia
Sem nenhuma comemoração vazia
Colaboração: Laís Miwa Higa