segunda-feira, maio 20, 2024
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SHIMANCHU NU MōASHIBI – Um Encontro em Campo Grande construindo pontes

Shimanchu ni Môashibi - Um encontro em Campo Grande construindo pontes

Por: Laís Miwa Higa 

Entre os dias 01 e 06 de maio, o Encontro Cultural Shimanchu nu Mōashibi, agitou a Associação Okinawa de Campo Grande (AOCG). Organizado por artistas e pesquisadoras de São Paulo, Osasco, Berlim, Santo André e Londrina em parceria com a diretoria da AOCG, o evento foi composto por uma diversidade de atrações e atividades e reuniu mais de 250 pessoas. Trago ao público do UtináPress um pouquinho da imensidão de experiências dessa semana cheia de histórias e já marcada em nossa história.

Como um tecido no tear, o Encontro Shimanchu no Mōashibi foi tomando forma e dimensão na costura de muitas trocas e diálogos, unindo vários trabalhos já produzidos ou em andamento. Hiromi Toma, 32, artista interdisciplinar e tatuadora de hajichi, e Thais Omine, 28, mestranda em Antropologia Visual, junto com o presidente da AOCG, Marcel Arakaki Asato, 31, médico patologista e professor, divulgaram nas redes sociais sua viagem a Campo Grande com o intuito de Hiromi fazer as tatuagens hajichi e Thais, pesquisar e registrar cenas para seu documentário sobre a diáspora okinawana ao Brasil. Simultaneamente, foram costurando conversas e convites com mais pessoas, e assim, Carol Nakadomari, 27, psicóloga e editora da Revista Shimanchu nu Kwii (Vozes Shimanchu), que já tinha viagem prevista para a região, e Naomi Asato, 21, estudante de Ciências Sociais, interessada em aprofundar sua pesquisa sobre sanshin e conhecer Sarita Shirado, 31, luthier de sanshin, se juntaram ao time. Com Naomi, surgiu a ideia de exibição de curtas-metragens produzidas por descendentes de uchinanchu. Foi também aberta uma chamada para artistas shimanchus do mundo todo para exposição e venda de prints. E eu, Miwa, 35, antropóloga, também me uni a Caravana de CG, para oferecer um curso e promover rodas de conversa.

Foi assim que foi montada a programação do Shimanchu nu Mōashibi. No primeiro dia (01/05, domingo), ocupamos o salão principal da AOCG com cinco exposições de arte; apresentações de ryukyu buyou, sanshin, Eisa e shishimai; sessão ao vivo de hajichi; venda de prints, serigrafia e da revista Shimanchu nu Kwii; exibição de três curtas-metragens seguido de roda de conversa. Durante a semana, tivemos três rodas de conversa com diferentes temas (feminismo asiático, preconceitos e racismo contra amareles e movimento LGBTQIA+ asiátique) e um curso de dois dias sobre imigração japonesa e okinawana ao Brasil. Em todas as atividades, foi pedida uma contribuição voluntária de alimentos não-perecíveis que serão doados a uma aldeia indígena do Mato Grosso do Sul. (Para ver a programação completa acesse o instagram da AOCK @okinawa_cg).

Nosso tecido e costuras ganhou vida em menos de três semanas! Devido ao trabalho intenso, a disposição e vontade de todo mundo. A organização do Mōashibii foi composta pela Caravana de CG (Hiromi, Thais, Naomi, Carol e eu), pela diretoria da AOCG (sobretudo por Marcel Arakaki Asato, Patricia Aguena, Henrique Arakaki, Tadashi Katsuren, Renata Kawano, Crystian Proença e Lucas Miyahira, incluindo Aiko Maeda) e pelo Seinenkai de CG (em especial JJ e Hanachan – João José Lacerda e Isabela Shiroma). Mas, para além desse time, enfatizamos a colaboração, apoio e participação de dezenas de pessoas que tornaram possível e extremamente especial nossa viagem e experiências em Campo Grande. Incluindo as/os patrocinadoras/es Sayuri Higa, Kenji Oshiro e Barraca da Níria. Desde já, agradecemos de coração a todo mundo que fez parte do Shimanchu nu Mōashibi. Um Encontro tecido e costurado a muitas mãos.

O objetivo dos eventos era construir pontes entre pessoas e comunidades shimanchus nas diásporas em Campo Grande, ao levar para lá, com nossa presença, produções artísticas, culturais e acadêmicas de outras regiões também. Focamos em promover o contato e conhecimento de histórias e experiências de pessoas de diferentes locais, gerações e trajetórias. Por isso, shimanchu tem um significado mais expandido que abrange tanto Ryukyu como um todo, e não apenas as ilhas principais, mas também se abre para conexões com o mundo. Mōashibi possui várias traduções e sentidos ao longo da história de Ryukyu, mas todas indicam o encontro entre pessoas. Uma das interpretações remete às transformações que o costume do mōashibisofreu após a colonização japonesa, afetando diretamente as relações de gênero no arquipélago ao criar boatos difamatórios sobre a presença e atividade de mulheres nesses encontros. Conhecer essa história deu um sentido especial para nós, uma caravana composta por cinco mulheres shimanchu e nenhum homem, à nossa viagem e ao Encontro. Que, com a colaboração de muitas pessoas, demonstrou e deu visibilidade para o trabalho e a atuação de mulheres hoje e em toda a história da nossa diáspora no Brasil. A escolha do nome considera o uchinaaguchi como um símbolo cultural e político importante. E a programação e o conceito desse Encontro se basearam na criação do sentimento shimanchu, na construção de pontes, difusão e divulgação de produções artísticas, intelectuais e políticas de nossas comunidades, de maneira aberta e acolhedora.

         Pela variedade e quantidade de atividades dentro e fora da programação, do tanto de gente envolvida e do curto período em que foi realizado, é possível ter uma noção da imensidão que foi, para cada uma e cada um de nós, o Shimanchu nu Mōashibi. E, com certeza, tudo isso não se encerrou ao chegarmos em nossas casas. Pelo contrário, ficaram marcadas em nós, e continuam num intenso processo de elaboração intelectual, emocional e espiritual, e certamente, como inspiração e força para projetos presentes e futuros.

Uma das maiores alegrias foi a presença e participação de pessoas de diferentes idades em todas as atividades. Justamente, a gestão da AOCG, empossada no final de 2021, foi eleita com uma chapa formada majoritariamente por jovens, chamada “Gerações Unidas”, com objetivo de aliar a experiência das gerações mais velhas às inovações trazidas pelas mais novas. Presidida por Marcel Arakaki Asato, e tendo na vice-presidência, Patricia Aguena, 34, arte-educadora do Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande (MARCO) e pós-graduanda, a nova diretoria do shibu abraçou com muito acolhimento, respeito, trabalho, energia e recursos humanos e materiais, o Encontro Cultural Shimanchu nu Moashibi. A recepção calorosa, o trabalho conjunto e os afetos criados em torno do evento, trouxe para nós, de fora, sentimentos genuínos de Ichaariba Choode e Yui Maru; demonstrou o compromisso da diretoria e da comunidade campo-grandense com o clube, com suas propostas e projetos envolvendo gerações, relações de gênero, produção de conhecimentos e artes, registros de memórias e histórias; e, em especial, nos emocionou demais, enquanto mulheres shimanchu, ao termos nossos trabalhos e existências reconhecidas, bem-vindas e visibilizadas dentro de uma associação okinawana brasileira – espaço tradicionalmente reconhecido e ocupado pela atuação dos homens.

Patricia Aguena, notamos já nas primeiras interações com ela, é uma mulher forte, trabalhadora, cheia de energia e atuante em diversas frentes dentro da associação e na sociedade campo-grandense. Ela nunca deixa de mencionar a importância de todas as mulheres para história do shibu e da comunidade shimanchu da região. Em especial, o trabalho incansável das mulheres do Fujinkai – e aqui, deixamos um agradecimento muito especial a Dona Kimie Guenka. Aguena também enfatiza a luta para que mais espaços sejam abertos em nossas associações okinawanas e nipo-brasileiras para mulheres de todas as idades, mas para que também, os espaços em que já estão e sempre estiveram presentes sejam devidamente reconhecidos e valorizados. Ela, assim como Marcel, frequentavam a AOCG na infância junto a seus avós. Após o adoecimento e falecimento deles, se afastaram. E ambos retomaram uma participação mais ativa recentemente, através do sanshin e de sua importância nas memórias que têm dos avós. Pela arte, pela música e pelo estudo das coisas de Ryukyu, pelo afeto e respeito a nossa ancestralidade e compromisso com os futuros das nossas comunidades, se encontraram e formaram uma equipe gestora que, em menos de um semestre, trouxe grandes transformações dentro e fora de seu shibu. Marcel e Patricia acolheram com muita firmeza, confiança e liderança, propostas de temas delicados e que, por muito tempo, ficaram de fora das associações – como gênero, sexualidade, raça e hajichi. O Shimanchu nu Mōashibi provou que nossas artes clássicas e contemporâneas, que o interesse pelos estudos, compartilhamento de histórias e experiências e que temas considerados “tabus” podem atrair e unir muita gente.

Além da programação do Encontro, cada uma de nós, da Caravana  de CG, conduziu durante suas estadias, suas pesquisas e trabalhos. Algumas reencontraram parentes, outras descobriram parentes. Todas encontramos e conhecemos gente nova, estreitamos amizades e parcerias. Fomos tão bem recebidas que em diversos momentos sentíamos que já éramos amigas de muita gente há muito tempo. Um sentimento especial que marcou a todas também foi o de reconhecimento e pertencimento que só são possíveis através do contato e conexão com o outro. Descobrimos diferenças e similaridades entre os lugares de onde saímos e os lugares que encontramos lá. Descobrimos força, coragem e amor em nós mesmas através dos vínculos formados. E por isso, somos eternamente gratas as/aos choodes e às nossas antepassadas – que, temos certeza, abriram nossos caminhos.

E, apesar de termos muito ainda para contar e desenvolver a partir dessas pontes, deixo aqui, no fim deste texto, as mensagens de Marcel e Patricia, não como um encerramento, mas como força e inspiração para nossos presentes e futuros.

Marcel Arakaki Asato, presidente da AOCG, dá como sugestão que outros shibus abram espaços e deem autonomia a geração mais jovem e que esta, pense também em programas e atividades que contemplem as vicissitudes do envelhecimento de seus associados. E Patricia Aguena, vice-presidente, nos lembra que, “todas nós, mulheres, temos consciência de nosso trabalho e o que ele simboliza. É preciso olhar para nós mesmas e ver o quanto nós podemos e fazemos por nossas comunidades. É uma voz que deve ser fortalecida. Inclusive em posições de tomada de decisões. Isso também é e sempre foi coisa de mulher”.

Agradecimentos especiais a Hiromi Toma, que com suas hajichi tem materializado nas mãos de mulheres nossa resistência, engatilhando memórias, e unindo essas mãos em projetos como este. Ippe nifee deebiru, querida hajicha! A Seigwa que trabalhou incansavelmente e nos brindou com seu talento na fotografia e vídeo. A Tadashi e Renatinha, tão amorosos, pela companhia e pelo Okinawa Soba que ficará sempre em nossas memórias. A Chrys por estar sempre cantando, tocando sanshin e animando a todes!

E como desejo de toda a organização do Shimanchu nu Mōashibi, que muitos mōashibi sejam realizados e promovidos em todo e qualquer lugar, sempre e em qualquer tempo em que existirem shimanchus.